Thursday, April 19, 2007

Agostinho de Macedo na Antologia do Humor Português


De novo para A Besta Esfolada, uma apresentação do Padre Agostinho de Macedo. Agora da Antologia do Humor Português:

José Agostinho de Macedo nasceu em 1761. Professou na ordem da Graça com dezassete anos. Foi punido várias vezes por fugir do convento. Em vão, pois não só da fé vive o adolescente. As coisas chegaram a tal ponto que lhe arrancaram o hábito e o expulsaram da ordem na frente de todos os irmãos. Com Bocage, fundou a Nova Arcádia, tomando o nome pastoril de Belmiro Tagideu. Esta camaradagem poética, porém, não durou muito. José Agostinho de Macedo, na qualidade de presbítero secular, criou fama na oratória e conseguiu que o nomeassem pregador régio. Pouco depois, D. Miguel fê-lo também cronista-mor do reino. Morreu em 1831. A consagração definitiva obteve-a no seu enterro: foi transportado ao cemitério num coche cedido pelo próprio rei. Erudito, verrinoso, odioso, o autor de Oriente (poema épico com que pretendeu destronar Os Lusíadas) foi um infatigável polígrafo. Poeta épico, lírico, satírico, crítico literário, orador sacro, jornalista político, censor régio, historiador oficial, conseguiu ser acima de tudo exemplo de humor, acumulação de absurdos. Excessivo no verso, na polémica, no insulto; excessivo no sarcasmo e no ódio doentio que votava aos livres-pensadores, excessivo no miguelismo, na cólera, nos vitupérios, extravasou com êxito a sua raiva poderosa em todos estes campos e fabricou uma obra que nesta nossa literatura, geralmente tão comedida e condicionada, se tornou um caso singular de maldade, de incoerência de grotesco. Espécie de Mal tonsurado, sempre repleto de fel, poeta enfadonho, escritor notável, traidor nato às ideias que defendia, foi de facto uma personagem maligna. Escriba oficial do miguelismo não hesitou em mandar a ideologia às malvas quando lhe foi necessário. Tratou brutalmente os jesuítas, mas anos depois defendeu-os com a mesma veemência. Na qualidade de clérigo desobedeceu a todas as regras, mas foi um dos pilares da Igreja Portuguesa. Na sua época, como censor régio, foi acérrimo partidário do obscurantismo. Como jornalista político, um denunciante. Como escritor satírico, um terrível e injustíssimo fundibulário. Como amoroso, cumpriu excessivamente a sua obrigação. As cartas que endereçou à Freira Trina D. Feliciana são exemplo duma pouco dissimulada mancebia. Não poupou ninguém. Camões sofreu-lhe as iras; Bocage foi brindado com duas sátiras. Em Os Burros, poema herói-cómico pretendeu fazer a «crónica escandalosa dos presentes tempos em Portugal». De infatigável vitalidade, dedicou à conturbada política do tempo várias revistas e jornais: Besta Esfolada, financiada pelo mosteiro de Alcobaça; A Tripa Virada e o Desengano, folhas onde trovejam impropérios de toda a ordem. A filosofia também o inspirou: Meditação, Newton; Viagem estática ao templo da Sabedoria, são poemas chatos onde a poesia raramente está e a filosofia se transforma e retórica. Em suma, um homem prolixo, com força de sete, profundo conhecedor do seu idioma mas com uma linguagem suficientemente apressada e desenvolta para suprir carências e senso crítico. Uma figura com algo de fascinante pelo odioso que dela emana, e onde o humor explode a cada passo pelo excesso que há na maneira como viveu e escreveu. De exemplo do que afirmamos, podem servir aqueles períodos extraídos duma antologia organizada por Inocêncio Francisco da Silva, nos quais o miguelismo de ex-frade atinge as fronteiras do inverosímil.